Agora, já
jubilado, não tenho alunos e as Universidades sem a obrigação de dar
aulas, são, de facto, sítios admiráveis. Mas, às vezes, tenho algumas
saudades. Gostaria de voltar a dar aulas, mas de níveis e matérias
totalmente diferentes. Eventualmente aulas de substituição no
Secundário, ou no Preparatório. Por exemplo, de Gramática a alunos do
6º ano de escolaridade.
Imagino-me a chegar a uma aula e a dizer a
alunos de 12 anos: "Fui destacado para vos dar uma aula de substituição
de Gramática, mas aprendi Gramática há tanto tempo que já esqueci quase
tudo. Só vos posso dar a aula se me ajudarem.". "Vamos tentar começar
pelo princípio. Vocês sabem o que é um substantivo? ". Vamos arranjar
uma definição. Não precisa de ser muito boa, mas deve permitir às
pessoas saber o que é um substantivo". E continuaria: " Agora que todos
sabem o que é um substantivo, vão fazer um exercício. Nas fotocópias da
página de um livro (ou de um qualquer outro texto), em grupos de dois,
com uma caneta feltro, vão cobrir todos os substantivos que
encontrarem. Quando tiverem dúvidas, perguntam ao grupo ao lado. Se a
dúvida for grande, discutimos todos". Depois, viriam os adjectivos: a
definição e o cobrir com a caneta feltro. Depois, perguntaria: "Como se
chamam estas palavras pequenas que aparecem ao lado dos substantivos?".
"Artigos!". "Arranjem uma definição e, como são poucos, façam uma lista
com os que estão aqui e com outros que conheçam".
Acho que daria
assim a minha aula. Se, no final, os alunos tivessem vontade de
continuar, a aposta estava ganha. Se a experiência continuasse duas
semanas, podíamos escrever uma gramática. Só depois de sentirmos ter
chegado ao limite das nossas possibilidades aceitaria na aula uma
gramática impressa, para ver o que tinha de diferente e em que é que ia
além daquilo a que tínhamos chegado.
Este texto não é um mero
devaneio de um professor jubilado. Foi escrito a pensar no futuro do
nosso ensino e foi estimulado por uma notícia recente: a de que muitos
professores subscreveram um texto a protestar contra a obrigatoriedade
de darem aulas de substituição sem para isso terem sido preparados.
Esta notícia mostra a que ponto o nosso sistema de ensino se
transformou numa gigantesca máquina atrofiadora, não só de estudantes,
mas também de professores.
Os professores que não se sentem
preparados fazem bem em protestar e há que tomar medidas. A primeira é,
naturalmente, a de incluir nos cursos de formação de professores
componentes que os preparem e lhes dêem o gosto de dar aulas de
substituição. Mas é preciso muito mais. É preciso transformar as
escolas em espaços de invenção e criação. Os melhores professores
sempre o souberam fazer ao longo dos tempos, muitas vezes
sub-repticiamente, mas, agora, estão quase impedidos de o fazer dado
peso dos programas.
A medida que proponho é , assim, simples e nem
sequer custa dinheiro. É a de que o Ministério a aceite a regra de
preparar programas correspondentes só a dois terços das aulas, e aceite
serem os professores a definirem localmente as matérias e o modo de
darem as aulas restantes, incluindo a sua avaliação. Considero ser o
melhor modo de valorizar e dignificar a profissão docente , e de
transformar as escolas nos espaços criativos de que a sociedade precisa.